31 agosto 2010

Grandes e pequenos segredos de um bom “briefing”

Um importante – importantíssimo – segredo de um bom briefing nem sempre fácil de ser apreendido por profissionais de marketing jovens ou nem tanto: ele, o briefing, não deve se preocupar minimamente em fazer o trabalho do publicitário, de planejamento, criação ou mídia.


Em seu livro Raciocínio criativo na publicidade, o publicitário Stalimir Vieira resume a coisa toda com uma história mais cristalina impossível. De quebra, fornece importantes lições sobre a arte do briefing, tanto para anunciantes quanto para colegas de profissão.

A história começa com um antigo comercial de TV da vodca Smirnoff, criado pela DPZ no começo dos anos 80, mais ou menos assim: um avião é mostrado em diferentes ângulos, com um diálogo em off de um casal. Fala a mulher: “Estamos descendo em Casablanca e você está triste?”. Responde o homem: “Já pensou? Tem Smirnoff em 143 países e vamos descer justamente em um que não tem…”. Resposta da mulher: “Ah, a gente compra amanhã em Katmandu…”.

Em seguida, Stalimir destrincha os caminhos que levaram do briefing à criação (obviamente eficiente, sem falar na extrema elegância), a partir de um exercício próprio para publicitários mas que, bem entendido, é revelador de importantes segredos: ao ver um anúncio, tente deduzir qual foi o briefing apresentado.

No entanto, como recomenda Stalimir, é preciso ponderar antes outra coisa: o criativo é um apaixonado no atacado e no varejo, tanto pela sua relação densa com a vida quanto por força da sua necessária identificação com a publicidade, que o leva a ocupar-se de determinado assunto sintetizado em um briefing e emprestar ao tema o seu talento criativo. A paixão própria do publicitário o levará a não se conformar com informações burocráticas. Ele vai querer mais: a resposta para a pergunta ainda não feita, novos caminhos, possibilidades até então impensadas. “O criativo é um desestruturador de fórmulas, de modelos conhecidos, de formatos convencionais. Ele quer experimentar o contrário (e se?), por isso pensa ‘ao contrário’. Quando um criativo tem de criar um comercial, por exemplo, esta é a primeira coisa que ele se pergunta: como é que todo mundo faz?”, escreve Stalimir, frisando mais adiante: “pensar ao contrário não significa esquecer a adequação e a pertinência das propostas. O objetivo é exatamente exacerbar o aspecto dramático da forma”.

Voltando ao comercial de Smirnoff, resta óbvio que o conceito de marketing proposto no briefing pelo anunciante, apurado por pesquisa, feeling, experiências anteriores, inclusive oriundas da matriz, ou uma combinação disso tudo, podia ser resumido em uma única palavra: “internacionalidade”. Nela estão resumidos atributos, diferenciais e benefícios capazes de fazer com que consumidores e consumidores em potencial do produto não só memorizem o comercial como gerem neles uma atitude de compra que feche o circuito desejado pelo marketing a partir do conceito de que “beber internacionalidade” dá prestígio ao consumidor, como explica Stalimir. Além disso, o marketing do anunciante informou os publicitários que a vodca Smirnoff estava presente em 143 países. Fim do briefing.

Poderia haver briefing mais simples direto? É claro que resumir a coisa toda na palavra internacionalidade levou certamente muito tempo, demandou pesquisas, testes etc., mas esta é outra história, assim como também está em outro campo da atividade publicitária fato de os profissionais de atendimenmento, planejamento, criação e mídia da agência virem eventualmente a se envolver com o cliente, dividindo com ele os seus conhecimentos acumulados em marketing e publicidade para desenvolver o briefing a quatro, seis, oito ou mais mãos.

Resta outra parte da história de Stalimir, esta útil para quem faz o briefing entender um pouco mais do trabalho do publicitário. Ele repete que, ao criativo cabe, sempre, pensar “ao contrário”, fugindo de tratamentos óbvios  que, no caso de Smirnoff, poderia ser mostrar a vodca sendo consumida em diversos países. “A questão é que se espera da criação algo mais do que o correto; espera-se o surpreendente”, explica Stalimir. “A formulação criativa é uma necessidade vital na valorização do uso do espaço comercial. É sua função, mais do que demonstrar uma intenção de marketing, dramatizar essa intenção, de forma a torná-la memorável e, assim, otimizar o investimento feito pelo cliente naquele espaço. Por isso, no exemplo apresentado, os criativos da DPZ pensaram ‘ao contrário’ e nasceu o conceito de comunicação ‘país que não tem Smirnoff’. Dizer que há Smirnoff em 143 países é uma informação relevante; citar um país que não tem Smirnoff é uma afirmação surpreendente. O conteúdo da informação continua o mesmo: há Smirnoff em muitos países. O que muda é a forma, que, em publicidade, tem a obrigação de quebrar a monotonia e emocionar o público, exatamente por trabalhar a informação de um jeito que ele não espera.”

Em seu livro, Stalimir trata o briefing de outra maneira bem interessante. Para ele, briefings trazem alguns dados racionais que são como pontinhas de icebergs de conhecimento que supostamente o publicitário já possui. “Pela pontinha visível do iceberg, você deve ser capaz de identificar o iceberg inteiro. Ou seja, devem fazer sentido para você o tipo de informação que o briefing carrega e a qualidade da intenção do marketing. Esse “fazer sentido” é produto de cultura e maturidade, que são reflexos diretos do que você trouxer em sua “bagagem de vida”.

Para Stalimir, nada ajuda mais do que um bom briefing – e nada atrapalha mais do que um mau briefing. “Ele é o pavimento por onde a criação vai trafegar. É uma estrada. Quanto mais bem sinalizada, mais rápido e em segurança chegaremos a nosso destino. Quanto menos sinalizada e mais esburacada, menores serão as chances de chegar a algum lugar, além de corrermos o risco de cair num abismo. 
Todo criativo deve ter o bom-senso de avaliar bem um briefing antes de começar a trabalhar nele. Claro que a pouca experiência, muitas vezes, nos deixa inseguros para questionar um briefing teoricamente elaborado por profissionais: temos medo de parecer burros. Porém, há muito mais briefings burros por aí do que possa imaginar nossa vã filosofia. Se há dúvidas, é preciso perguntar. Perguntar não ofende. É muito mais econômico do que pegar um caminho errado na tentativa de preencher as falhas do briefing com suposições.

Um briefing deve responder claramente à pergunta: ‘O que você quer?’ Se não responder, não está completo. Não tem foco. Foco. Esta é uma palavrinha tão usada que, muitas vezes, nem nos damos conta da importância de seu significado. Tudo o que está no briefing deve conduzir a um foco principal, a um objetivo claríssimo. 

Se esse objetivo não for absolutamente perceptível, pare: há um problema com ele ou com você. Tentar sair criando uma campanha sem questionar seriamente o briefing a respeito do que ele quer é como levantar voo sem ter checado os instrumentos do avião.”

O outro trabalho antológico sobre o tema está contido no livro Propaganda de A a Z, de Rafael Sampaio, vice-presidente da ABA e membro do Conselho Executivo do CENP. “O briefing ocorre todas as vezes que uma informação passa de um ponto para outro e o propósito de organizá-lo corretamente é o de assegurar a passagem da informação certa – da pessoa certa para a pessoa certa – na hora certa, da maneira certa com o custo certo. O sucesso ou fracasso dessa operação depende, é claro, de saber o que é certo no contexto, pois o que é certo para uma situação pode não ser certo para outra”, escreveu Rafael.

Segundo ele, os erros mais comuns nos briefings são:

• Briefing muito extenso

É caracterizado pela extensão, por ser excessivamente elaborado, abarrotado de fatos. Tende a confundir, e não a esclarecer. Ele não é errado somente porque é longo, mas porque não é seletivo.

• Briefing demasiadamente sistematizado

Aqui o perigo é que o sistema se torna mais importante que a informa-ção que deveria ser resumida e transmitida. Um exemplo típico é um questionário excessivamente elaborado que tenta dar a todos os aspectos uma importância igual.

• Briefing curto demais

Isso significa um briefing com defi-ciências de informação, deixando muito espaço para o pensamento ilimitado do pessoal criativo. Como resultado, suas ideias podem não ser direcionadas para  o foco correto.

• Briefing muito dogmático

Ocorre, por exemplo, quando alguém na organização do cliente tem ideias fortes, preconcebidas sobre qual deve ser o approach da propaganda. Pode também ocorrer quando as conclusões da pesquisa são interpretadas muito literalmente.

• Briefing na hora e da maneira erradas

A falta de coordenação leva a ideias confusas e até conflitantes. Muito tempo gasto com coisas secundárias. Pouquíssimo tempo para o desenvolvimento criativo – ou talvez até muito, tornando o interesse e o entusiasmo menores.

Rafael lembra que o briefing e o planejamento de propaganda são inseparáveis. No momento em que o planejamento começa com a análise do problema, também começa o processo de briefing. Para ele, o processo de planejamento total em publicidade tem como meta chegar a conclusões sobre:

• Quem estamos tentando influenciar?
• Como queremos influenciá-los?
• Quando?
• A que custo?

“Para se chegar a conclusões baseadas em fatos, são envolvidas a passagem e a troca de informações entre as áreas de marketing e propaganda do anunciante e sua agência (incluindo as respectivas áreas de pesquisa)”, escreve Rafael. “O processo é uma investigação sistemática e uma troca meticulosa de informações, análise e exame, mantendo o que for relevante e descartando o que não for, até que o objetivo ótimo de propaganda apareça, tão claro e preciso quanto possível. Portanto, o briefing é um processo contínuo e cumulativo através de todos os estágios do planejamento de propaganda. Se cada estágio for corretamente realizado, o passo seguinte torna-se muito mais claro, fácil, certo e preciso.”


Fonte: Revista do Conselho Executivo de Normas Padrão (CENP), edição 24, páginas 34 a 42.

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